Amparado pela Constituição de 88 e financiado por uma das maiores cargas tributárias do mundo, o Sistema Único de Saúde – SUS – nasceu com o propósito de garantir atendimento universal, integral e gratuito no Brasil. Paralelamente, a legislação abriu espaço à participação da iniciativa privada de forma complementar, suprindo eventuais deficiências do setor público. Mas a realidade hoje é inversa: o SUS tornou-se o plano “b” da rede privada, obviamente, para atuar sozinho nas áreas mais complexas e não lucrativas. Afinal, saúde não tem preço, mas pode ter um altíssimo custo, que nem sempre se ajusta a interesses comerciais.

Dessa forma, todos os brasileiros têm direito a atendimento médico pelo SUS, mas também podem contar com um sistema extra de coberturas individuais ou coletivas. Atualmente, 85% dos paulistanos e 78% dos cariocas são beneficiários de algum tipo de plano de saúde – números que nos levariam a crer que os problemas de atendimento nas duas principais cidades brasileiras estariam resolvidos. Engano! As reclamações sobre as dificuldades de atendimento são crescentes e a maioria desses produtos não dá cobertura a procedimentos de alta complexidade, como transplantes, hemodiálise, tratamento do câncer e colocação de próteses. Os clientes que precisam de tais procedimentos geralmente se surpreendem com seus contratos e acabam voltando ao sistema público, o único, efetivamente, a dar cobertura integral, seja qual for o tratamento necessário. Se fosse feito um encontro de contas entre as operadoras e o SUS, a dívida das empresas de saúde chegaria hoje a R$ 10 bilhões. Sem mencionar R$ 15 bilhões de renúncia fiscal decorrente dos descontos no imposto de renda, que servem de incentivo à saúde suplementar.

Ainda assim, 48 milhões de brasileiros continuam a garantir um faturamento anual de R$ 83 bilhões para as operadoras de saúde, enquanto que, para atender a 152 milhões de pessoas, o orçamento do SUS é de R$ 88 bilhões! E o negócio continuará crescendo, sobretudo, se forem confirmadas as notícias de que o Governo Federal prepara um pacote com novas reduções de impostos e financiamentos para incentivar planos de saúde a preços populares, acessíveis às classes “C” e “D”. Seria uma espécie de meia-entrada na saúde, com direito a “meio-atendimento”. Ora, se esta for, de fato, a panaceia do momento ou tudo o que o Governo Federal é capaz de fazer para o setor, a saúde no Brasil será, inexoravelmente, um bem de consumo, com as mais variadas grifes, e não um bem público, um direito de todos. E o SUS terá declarada a sua morte cerebral.

* Paulo Pinheiro é médico e vereador pelo PSOL no Rio de Janeiro

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