A história da jornalista que quase perdeu a visão após procedimento estético realizado por profissional não médico

“Era véspera do embarque para a viagem que eu tanto planejei para Portugal, Espanha, Alemanha e, finalmente, Grécia, um sonho antigo. Mas, em vez de estar arrumando a mala, eu vivia o pior momento da minha vida. Estava há três dias em um quarto de hospital, sem previsão de alta, com necrose em três áreas do nariz devido à complicação de um preenchimento com ácido hialurônico. Naquele dia, havia iniciado o tratamento na câmara hiperbárica e sentia muita dor por conta da pressão que o equipamento provoca, agravada por uma sinusite.

Dentro da máquina, achei que ia morrer, que não ia aguentar. Imaginava que deveria estar pegando um avião e me perguntava como cheguei ali. E ao fim desse longo dia, fiquei sabendo que a biomédica responsável por todo aquele meu sofrimento continuava a fazer procedimentos estéticos em outras pessoas. Foi quando cheguei ao fundo do poço físico e emocional.

Não sabia como o meu rosto iria ficar nem se ainda teria um nariz. Até as pessoas da minha família me olhavam assustadas e tentavam disfarçar. Minha mãe se escondia para não chorar na minha frente. Eu tirei força de onde nem sabia que tinha para expor tudo e tentar evitar que outras pessoas passassem pelo mesmo pesadelo que eu vivia. Na minha mente, passavam mil coisas, mas especialmente que eu estava sendo bem atendida e não iria me perdoar se ficasse calada e alguém fizesse um procedimento com a mesma profissional que me atendeu e perdesse a visão ou morresse. Eu me senti no dever, como jornalista e cidadã, de alertar quem pudesse. Naquele mesmo dia, fiz uma publicação no meu Instagram (@prillaguiar) contando o que estava acontecendo.

Na foto, coloquei uma gaze no nariz tentando esconder a vergonha que eu sentia por estar deformada. O alerta ‘viralizou’. Acabou de completar um ano que vivi esse turbilhão e ainda tento entender os efeitos de tudo. Faz um ano que eu pago a fatura do erro dos outros em cremes caros e muito protetor solar. Faz um ano que eu tento contornar os efeitos disso na minha autoimagem e autoestima. Um ano que eu enfrento a minha mente todo santo dia para levantar da cama e cuidar na vida. Que eu engordo e emagreço. Que eu me odeio e me amo.

Que a minha vida virou do avesso. É horrível admitir o quanto a estética mexe com a cabeça da gente. Mas também é muito importante admitir. Eu me culpei muito por não ter pesquisado, por não saber os riscos envolvidos no procedimento estético a que me submeti, por não ter procurado um profissional indicado. Passei 12 dias internada e um mês sem trabalhar. Perdi a minha tão planejada viagem, mas não perdi a minha visão nem a minha vida. Hoje, enquanto luto contra os meus traumas, faço o que posso para que outras pessoas tenham informação suficiente e não caiam nas mãos de profissionais sem capacidade para perceber complicações ou para tratá-las.”

A importância de recorrer a um médico ao realizar procedimentos estéticos invasivos foi o ponto central do evento Cosmiatria e Laser – Beleza à Luz da Medicina, realizado no dia 7 de maio, no Rio, pelo jornal O GLOBO em parceria com a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD). O encontro reuniu dermatologistas, psiquiatra, celebridades, representantes do Conselho Federal de Medicina e da Subsecretaria de Vigilância Sanitária e foi aberto com um desabafo sincero e emocionado da jornalista Priscilla Aguiar, de 33 anos, sobre como perdeu a viagem dos sonhos e quase ficou cega em decorrência de uma aplicação de ácido hialurônico mal feita por uma profissional não médica. A recuperação só foi possível com o trabalho ágil de uma dermatologista habilitada, com quem ela se trata até hoje.

— O cuidado com a saúde é multidisciplinar, mas cada profissão tem sua competência estabelecida em lei. E o procedimento cosmiátrico invasivo é de competência médica. A pele é um órgão muito complexo. Os dermatologistas cursam pelo menos 6 anos de Medicina e mais 3 anos de especialização. O profissional habilitado busca a saúde integral do paciente, o seu bem-estar físico e mental. Precisamos entregar o nosso bem maior, que é a nossa saúde, a uma pessoa de confiança — destacou o presidente da SBD, Sérgio Palma. A dermatologista Meire Parada, da SBD, destacou que há uma complexidade de veias e artérias sob a pele.

— Se o ácido hialurônico for aplicado em uma artéria ou vaso, provoca uma oclusão que vai levar à necrose do tecido. A paciente tem que ser socorrida imediatamente com a enzima hialuronidase — afirmou.

De janeiro de 2017 até maio de 2019, a SBD registrou 850 representações em diferentes instâncias da Justiça e de órgãos de fiscalização em defesa do cumprimento da lei federal e da segurança dos pacientes. Se em 2017 foram registradas 351 ações, no ano passado o número subiu para 394. Só este ano já são 105 representações.

Fonte: Época


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