Um projeto de lei em tramitação no Senado está preocupando especialistas, que temem a perda de direitos para o consumidor. Elaborado por uma comissão de juristas e apresentado pelo presidente da Casa, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), o projeto de lei 406/2013 atualiza a Lei de Arbitragem. As atenções estão voltadas especificamente para o artigo 4 que permite a inclusão da arbitragem como único instrumento para a solução de conflitos nos contratos de adesão, como os firmados com planos de saúde, empresas de telecomunicações e instituições financeiras. Os especialistas consideram a arbitragem um recurso a ser usado quando há equidade entre as partes, o que não é o caso das negociações entre consumidores e fornecedores. Não por acaso, dizem, o Código de Defesa do Consumidor (CDC), em seu artigo 51, lista entre as práticas abusivas determinar a utilização compulsória da arbitragem. A comissão de juristas que redigiu o projeto defende o instrumento como forma de dar velocidade à solução dos problemas e desafogar a Justiça abarrotada de processos relacionados a questões de consumo (cerca de 40 milhões de ações).

Nos próximos dias, a Fundação Procon-SP encaminhará ao Congresso Nacional um ofício manifestando-se contrária à proposta e pedindo que os parlamentares não a aprovem.

– É um retrocesso e deixaria o consumidor mais exposto. A arbitragem nas relações de consumo só é indicada em casos excepcionalíssimos, ainda assim com o consentimento do consumidor, que deve estar muito ciente do assunto – diz Paulo Arthur Góes, diretor executivo do Procon-SP.

Necessidade de concordância expressa

O advogado José Antônio Fichtner, membro da comissão de juristas que elaborou o projeto de lei, ressalta, por sua vez, que o texto prevê a necessidade de autorização expressa do consumidor para que a arbitragem possa ser usada:

– O fornecedor não pode impor a arbitragem ao consumidor. A arbitragem só vai ser instaurada se o consumidor concordar expressamente, tem que haver o consentimento.

O professor de Direito do Consumidor da FGV Direito-Rio, Ricardo Morishita, argumenta, no entanto, que se o instrumento for eficaz, ou seja, trouxer efetividade no direito e velocidade na solução, não é preciso que ele seja imposto:

– O consumidor não quer privilégio, ele busca efetividade, por isso vai à Justiça. Se a arbitragem funcionar, não é preciso que seja imposta ao consumidor, ele vai buscar por ela. Da forma como está, vai trazer mais insegurança jurídica para as partes. Há outros instrumentos alternativos ao Judiciário, como a mediação e a conciliação que não trazem risco ao consumidor.

A arbitragem é um fórum particular, em que os processos correm em sigilo, no qual os interessados arcam com as despesas. É usada comumente por empresas envolvidas em disputa por propriedade intelectual e por países na busca de solução de conflitos comerciais. Na esfera das relações de consumo, entretanto, os especialistas consideram a arbitragem um recurso inadequado, uma vez que o consumidor é considerado mais vulnerável.

A professora e doutora em Direito Cláudia Lima Marques, ex-presidente do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon), tem estudado o projeto que atualiza a Lei de Arbitragem, e surpreendeu-se com a inclusão da cláusula sobre os contratos de adesão. Ela reconhece que a arbitragem pode até ser uma opção para o consumidor, desde que este saiba muito bem o que está escolhendo.

– A escolha pela arbitragem nas relações de consumo poderia demonstrar maturidade do mercado, uma vez que não envolve o Judiciário. Entretanto, sabemos que, na maioria das vezes, o consumidor tem a surpresa sobre o que assinou lá no finalzinho do contrato. A aplicação desse recurso também me preocupa pela possibilidade de prejudicar as ações coletivas contra fornecedores – diz a especialista.

EUA baniram instrumento em 2008

Alguns países que adotaram o instrumento acabaram retrocedendo e baniram o recurso das relações de consumo. Nos Estados Unidos, segundo a professora, o uso da arbitragem nas relações de consumo foi extinto, em 2008, em todo o país, após escândalos envolvendo o Fórum de Arbitragem Nacional (NAF na sigla em inglês). Investigações do Ministério Público do Estado de Minnesota comprovaram que escritórios de advocacia eram proprietários do tribunal arbitral. Ao mesmo tempo, representavam a maioria dos fornecedores que instituíam compulsoriamente o Fórum de Arbitragem por meio de cláusulas compromissórias. Apenas 1% das ações analisadas foi favorável aos consumidores em casos envolvendo administradoras de cartões de crédito, bancos e construtoras.

– Efetivamente, não está comprovado que a experiência da arbitragem privada, sem participação do Estado, em matéria de consumo é positiva. Não parece haver motivos para que se flexibilize desta forma o regime atual – afirma Cláudia.

O comerciante Frank Leonard comprou um apartamento na planta e não percebeu que a construtora havia indicado a Câmara de Arbitragem de Guarulhos, na Grande São Paulo, como fórum para a discussão de problemas futuros. Só foi se dar conta da situação quando recorreu à Justiça pelo atraso de dois anos na entrega do imóvel.

– Foi meu advogado quem observou. Admito que nem tinha visto porque, afinal, é um contrato de adesão. Não há o que discutir. Ou assinava ou não comprava o apartamento.

O advogado Marcelo Tapai, membro da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB-SP, que representou Leonard, também se opõe à cláusula do PLS 406:

– O consumidor não faz ideia do que seja isso (a cláusula de arbitragem) nem as implicações que poderá trazer. Considero a inclusão da arbitragem nas relações de consumo uma aberração.

Na sentença favorável ao comerciante, o Tribunal de Justiça de São Paulo disse ser “incabível compelir o autor a utilizar-se do Juízo Arbitral”, citando o artigo 51 do CDC.

Segundo a assessoria da Presidência do Senado, o projeto de lei ainda terá de passar pelas comissões do Senado e da Câmara, podendo ser alterado, não havendo expectativa de prazo final de votação.

 

Para ler a notícia no site aasp.org.br, clique aqui.

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