A Lei Maria da Penha estabelece que todo o caso de violência doméstica e intrafamiliar é crime, deve ser apurado através de inquérito policial e ser remetido ao Ministério Público. Esses crimes são julgados nos Juizados Especializados de Violência Doméstica contra a Mulher, criados a partir dessa legislação, ou, nas cidades em que ainda não existem, nas Varas Criminais.

A lei também tipifica as situações de violência doméstica, proíbe a aplicação de penas pecuniárias aos agressores, amplia a pena de um para até três anos de prisão e determina o encaminhamento das mulheres em situação de violência, assim como de seus dependentes, a programas e serviços de proteção e de assistência social. A Lei n. 11.340, sancionada em 7 de agosto de 2006, passou a ser chamada Lei Maria da Penha em homenagem à mulher cujo marido tentou matá-la duas vezes e que desde então se dedica à causa do combate à violência contra as mulheres.

O texto legal foi resultado de um longo processo de discussão a partir de proposta elaborada por um conjunto de ONGs (Advocacy, Agende, Cepia, Cfemea, Claden/IPÊ e Themis). Esta proposta foi discutida e reformulada por um grupo de trabalho interministerial, coordenado pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), e enviada pelo Governo Federal ao Congresso Nacional.

Foram realizadas audiências públicas em assembleias legislativas das cinco regiões do país, ao longo do ano de 2005, que contaram com participação de entidades da sociedade civil, parlamentares e da SPM.

A partir desses debates, novas sugestões foram incluídas em um substitutivo. O resultado dessa discussão democrática foi a aprovação por unanimidade no Congresso Nacional.

Em vigor desde o dia 22 de setembro de 2006, a Lei Maria da Penha dá cumprimento à Convenção para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, a Convenção de Belém do Pará, da Organização dos Estados Americanos (OEA), ratificada pelo Brasil em 1994, e à Convenção para Eliminação de Todas as Forma de Discriminação contra a Mulher (Cedaw), da Organização das Nações Unidas (ONU).

Pesquisas recentes comprovam que os mais atingidos pela violência doméstica ou intrafamiliar são os mais vulneráveis : mulheres, crianças e idosos. Embora as pesquisas sejam recentes, desde o início da civilização, a violência sempre permeou as relações familiares, sendo certo que somente de poucos anos para cá as políticas públicas de enfrentamento desta violência passaram ter mais visibilidade.

Não poderia ser diferente, porque a violência doméstica rompe o vínculo de afeto fundamental para a manutenção de relacionamentos saudáveis. A violência doméstica fere de morte a confiança, a segurança e a lealdade, valores caros para esses seres mais vulneráveis, que buscam, no seio familiar, apoio, entendimento e acolhimento para a sua reconhecida vulnerabilidade.

Dentre os mais diversos tipos de violência doméstica ou intrafamiliar, os idosos, especificamente, são vítimas especialmente da violência patrimonial, muito embora ela venha, normalmente, acompanhada da violência física e psicológica, acompanhadas dos seguintes fatores de risco às vítimas:

– o alto grau de dependência psicológica, física e econômica dos agressores

– o isolamento social do idoso

– a limitada rede de suporte familiar

– o atendimento prestado pelos profissionais de saúde que acompanham os idosos, especialmente cuidadores.

Os casos mais comuns de violência patrimonial contra idosos, no âmbito da Lei Maria da Penha, são:

– exploração dos bens e renda do idoso

– realização de operações bancárias em nome do idoso contra a sua vontade

– controle total ou parcial dos proventos do idoso

De acordo com ao artigo 7, IV da Lei Maria da Penha, a violência patrimonial é compreendida como conjunto de atos que limitam a propriedade, a posse e o uso dos bens e valores patrimoniais sobre os quais a mulher ou o homem detém direitos. O delito é assim definido: “(…) qualquer ato que implique retenção, subtração, destruição parcial ou total de bens, valores, documentos, direitos e recursos econômicos sobre os quais a vítima possua titularidade”.

Destaque-se que a Lei Maria da Penha, por força do caput do art. 5º da nossa Constituição Federal, também é aplicada a todas as pessoas, não somente às mulheres.

Como “patrimônio”, portanto, são definidos os bens, de propriedade exclusiva ou não da vítima:

– de relevância patrimonial e econômico-financeira direta

– que apresentam importância pessoal (objetos de valor efetivo ou de uso pessoal) e profissional, necessários ao exercício da vida civil e à satisfação das necessidades vitais.

A caracterização da violência patrimonial se dá especialmente:

– quando o agressor, com o intuito de vingar-se ou obrigar a vítima a persistir no relacionamento, mesmo contra a vontade dela, se recusa entregar à vítima seus bens, valores, pertences e documentos

– nos casos de não pagamento de pensão alimentícia, independentemente de fixação judicial. Nesse caso, o delito configura também o “abandono material” previsto no art. 244 do Código Penal.

– quando a vítima, coagida ou induzida a erro, transfere bens de sua propriedade para o agressor.

Importante destacar que, muitas condutas consideradas pela sociedade como demonstrações de afeto, na verdade, constituem violência patrimonial:

– impedir o acesso ao dinheiro ou aos meios de obtê-lo, forçando a mulher a se tornar financeiramente dependente do agressor até para ver satisfeitas necessidades básicas como alimentação, vestuário e moradia

– impedir a pessoa de trabalhar ou frequentar a escola;

– reter os meios de sobrevivência, como alimentação;

– impor exigências para que a mulher justifique os seus gastos, geralmente acompanhadas por punição da vítima através de abuso físico, verbal ou sexual;

– proibir a pessoa de manter conta bancária pessoal.

Ao agressor, a Lei Maria da Penha prevê medidas protetivas relevantes, destinadas à proteção do patrimônio da vítima e que podem ser deferidos pelo Juiz na forma de tutela cautelar. Elas estão previstas no artigo 24 da Lei e são as seguintes:

– restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;

– proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial

– suspensão das procurações conferidas pela vítima ao agressor

– prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a vítima.

Caso o Magistrado não vislumbre justificativa suficiente para a concessão da medida (que inclui a busca e apreensão de bens), poderá determinar o seu arrolamento, a fim de preservar o patrimônio e evitar danos irreparáveis ou de difícil reparação à vítima.

Muito embora o Estatuto do Idoso preveja fiscalização e punição dos casos de maus tratos e violência na velhice, são raras as notificações de violência patrimonial contra os idosos no ambiente doméstico ou intrafamiliar. Os idosos não se sentem confortáveis no litígio com os mais jovens, pois:

– acreditam que não possuem força e poder suficientes para confrontá-los

– tem medo de causar transtornos para o ambiente familiar, prejudicando os laços entre os familiares

– tem medo de as situações de maus-tratos persistirem mesmo após a denúncia

Projeto aprovado pela Comissão de Direitos Humanos (CDH), no último mês de abril de 2017, aumenta a proteção aos idosos que enfrentam situação de violência ou exploração econômica no ambiente doméstico e também nos abrigos. A proposta (PLS 468/2016), do senador Zezé Perrella (PTB-MG), autoriza o Judiciário a conceder, em favor do idoso, as chamadas medidas protetivas de urgência, nos moldes da Lei Maria da Penha em relação a mulheres vítimas de violência doméstica.

À pedido da pessoa agredida ou do Ministério Público, o juiz pode:

– afastar o ofensor da casa ou local de convivência com o idoso

– suspender as visitas

– substituir o curador e a entidade em que esteja abrigado.

– impedir o agressor de se aproximar da vítima, tendo que obedecer a uma distância mínima de afastamento dela ou mesmo de eventuais testemunhas dos atos de violência

– determinar a imediata restituição dos bens indevidamente retirados do idoso

– suspender de pronto as procurações conferidas pela pessoa idosa, impedindo o seu ofensor de movimentar seus bens.

Atualmente, o projeto se encontra na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), que deverá proferir decisão terminativa, e deverá autorizar o juiz a adotar as medidas assim que as denúncias chegarem à sua mesa, sem a necessidade da apresentação de recursos judiciais complementares que possam retardar as decisões. Para que as medidas sejam logo cumpridas, o magistrado poderá ainda requisitar auxílio de força policial.

O projeto altera o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), norma que, na visão do autor, falhou ao deixar de estabelecer medidas urgentes de proteção. Sem elas, afirma Perrella, o enfrentamento da violência contra a pessoa idosa pode fracassar, havendo inclusive o risco de “agravamento constante de uma realidade marcada pela violência física e moral”.

O parlamentar afirma que o país não parece estar se dando conta da necessidade de respeitar e garantir os direitos dos mais velhos. Ele observa que a pirâmide etária brasileira está mudando, e em pouco tempo a maioria da população será idosa.

Em voto favorável ao projeto, o relator da matéria, senador Paulo Paim (PT-RS), salienta que as medidas urgentes podem passar a ser concedidas em conjunto com medidas específicas já existentes no estatuto, sempre que a segurança do idoso ou as circunstâncias o exigirem.

Salientou o senador Paulo Paim que o projeto é altamente meritório, pois soluciona o problema da atual proteção deficiente ao idoso, que não tem proteção específica para o caso das corriqueiras agressões que sofre. Destacou que a proposição vem a sanar tal deficiência, estendendo aos idosos a mesma proteção devida já assegurada às mulheres pela Lei Maria da Penha.

Por Drª. Melissa Areal Pires

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