Como advogada especialista em Direito do Consumidor com atuação voltada ao Direito Médico e da Saúde, tenho recebido, de forma crescente, em meu escritório, reclamações a respeito dos reajustes nas mensalidades de planos de saúde. Com a economia do país em recessão, o orçamento das famílias está bastante comprometido e a manutenção do plano de saúde acaba sendo uma grande preocupação dos consumidores, que não desejam depender da saúde pública, que vai de mal a pior.

Há, essencialmente, dois tipos de reajuste nas mensalidades de planos e seguros de saúde: o reajuste anual e o reajuste por faixa etária, sendo que todos eles devem estar previstos em contrato. Portanto, por ser uma previsão contratual e, por ser direito básico do consumidor a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas (art. 6º, inciso V do CDC), o Judiciário vem recebendo inúmeras ações judiciais visando o questionamento desses reajustes.

Nesse artigo, pretendo focar em um tipo de reajuste que tem dado bastante dor de cabeça aos consumidores e vem dividindo opiniões na jurisprudência: o reajuste por faixa etária aplicado nas faixas etárias anteriores e próximas aos 60 anos. Tem-se visto reajustes sendo aplicados nessas faixas etárias em índices extremamente elevados, como por exemplo, 70%, 80% e até mesmo 100% ou mais. O consumidor, que se vê próximo dos 60 anos, diante da dificuldade da contratação de planos e seguros de saúde para idosos, acaba comprometendo ainda mais seu orçamento para arcar com o pagamento desse alto reajuste. É preciso esclarecer que esse tipo de reajuste pode ser considerado ilegal.

Como é de comezinha sabença, o reajuste da mensalidade do plano de saúde, por faixa etária, após os 60 anos, é proibido pelo Estatuto do Idoso, que entrou em vigência a partir de 2004. Portanto, a partir de então, os planos e seguros de saúde tiveram que rever seus contratos para excluir toda e qualquer cláusula contratual que os autorizassem a realizar esse tipo de reajuste. Assim, quem contratou plano de saúde após 2004, não deve sofrer qualquer reajuste da mensalidade, por faixa etária, após os 60 anos.

Contudo, o reajuste da mensalidade, por faixa etária, até os 60 anos, é permitido pela Agência Nacional de Saúde. Com o intuito de adaptar suas normativas ao Estatuto do Idoso, a agência reguladora editou a Resolução Normativa n. 63/2003, autorizando as operadoras de saúde a aplicarem reajustes por faixa etária em 10 faixas diferentes: 0 a 18 anos, 19 a 23 anos, 24 a 28 anos, 29 a 33 anos, 34 a 38 anos, 39 a 43 a nos, 44 a 48 anos, 49 a 53 anos, 54 a 58 anos, sendo a últimas delas aos 59 anos ou mais.

Considerando que a referida resolução não fixou os índices de reajuste a serem aplicados, os planos e seguros de saúde se aproveitaram dessa situação para estipular em seus contratos de adesão os percentuais que lhe eram mais convenientes, despreocupando-se se o índice causaria desvantagem exagerada ao consumidor. E, dessa forma, os absurdos percentuais de reajuste que antes eram aplicados após os 60 (sessenta) anos de idade, passaram a ser previstos, nos contratos posteriores ao Estatuto do Idoso e da Resolução Normativa nº 63/03, para as faixas etárias anteriores e bem próximas aos 60 anos, principalmente na faixa “59 anos ou mais”.

Verifica-se, portanto, que, como não seria possível mais exigir o reajuste após os 60 anos de idade, decidiu-se adiantar o reajuste antes proibido por lei, e aplicá-lo nas faixas anteriores e bem próximas aos 60 anos, conferindo-o uma suposta legalidade, uma vez que não estaria infringindo a norma contida no art. 15, §3º do Estatuto do Idoso e ainda poderia justificar cumprimento à Resolução Normativa 63/2003.

Todavia, essa “legalidade” da mudança do reajuste de 60 anos para faixas próximas e anteriores, com fixação de altos índices de reajustes, é apenas aparente, uma vez que, embora esteja de acordo com a Resolução Normativa nº 63/03, claramente visa burlar o artigo 15, §3º do Estatuto do Idoso, devendo ser considerada nula de pleno direito.

Seria absolutamente ilegal considerar válida uma cláusula contratual que fere uma lei federal (no caso, o Estatuto do Idoso, norma de ordem pública), sob o fundamento de que ela obedece às normativas de uma Resolução Normativa da ANS. Ou seja, não se pode considerar legal uma cláusula contratual somente pelo fato de atender aos parâmetros de uma Resolução Normativa se assim o faz com o intuito de burlar a aplicação de uma lei federal. Para poderem ser considerados lícitos os reajustes da mensalidade de planos e seguros de saúde nas faixas anteriores e bem próximas aos 60 anos, estes deveriam atender tanto aos parâmetros da Resolução Normativa nº 63/03 da ANS, quanto evitar o cunho discriminatório aos consumidores idosos, o que claramente não acontece quando são fixados altos índices de reajuste como, por exemplo, 70%, 80% ou ainda 100% ou mais.

Ao prever a aplicação de um alto índice de reajuste por critério etário, em faixas anteriores e bem próximas aos 60 anos do consumidor, a operadora de saúde, com extrema má-fé, sabendo que não poderá mais aplicar reajuste por faixa etária após os 60 anos, aproveita-se do fato de que este consumidor ainda não estaria protegido pelo Estatuto do Idoso, visa interromper a continuidade da relação contratual, exatamente na fase da vida do beneficiário na qual ele mais precisa de assistência médica: a terceira idade.

Vê-se claramente o intuito de fraudar a proteção do Estatuto do Idoso, o que impõe a nulidade de pleno direito da cláusula contratual que prevê o indigitado reajuste, nos termos do artigo 166, VI, do Código Civil.

Assim caminham algumas decisões do nosso Egrégio Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, como a seguinte destacada:

APELAÇÃO CÍVEL. RELAÇÃO DE CONSUMO. PLANO DE SAÚDE. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA QUE SE REFORMA. O REAJUSTE POR MUDANÇA DE FAIXAETÁRIA, AOS 59 ANOS DE IDADE DO CONSUMIDOR, TEM NÍTIDA TENTATIVA DE IMPEDIR O ESTATUTO DO IDOSO, SENDO A CLÁUSULA QUE O AUTORIZA ABUSIVA. (…) PROVIMENTO DO RECURSO. (TJRJ – 24ª Câmara Cível – Apelação Cível n. 0336835-86.2012.8.19.0001 – Rel. JDS Lucia Glioche – j. 10/03/15)

Além da ofensa ao Estatuto do Idoso, urge notar que o reajuste aplicado pelas operadoras de saúde em faixas anteriores e bem próximas aos 60 anos de idade viola também o Código de Defesa do Consumidor, especialmente o artigo 51, inciso IV, o qual considera nula de pleno direito as cláusulas contratuais que “estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa- fé ou a equidade”.

Não há dúvidas que, ao prever um altíssimo reajuste da mensalidade do plano ou seguro de saúde, através de um critério etário, em faixas etárias anteriores bem próximas aos 60 anos, a cláusula contratual mostra-se desproporcional e acarreta ao consumidor desvantagem exagerada. Além da violação ao inciso IV do artigo 51, a cláusula contratual ofende o disposto nos incisos X do referido artigo, posto que permite à operadora de saúde a variação unilateral do preço do contrato.

Portanto, em que pese previsto no contrato, forçoso concluir que a cláusula contratual que prevê o reajuste da mensalidade do plano ou seguro de saúde, através de um critério etário, em faixas etárias anteriores e bem próximas aos 60 anos, em altos índices, é nula porque infringe a função social do contrato de plano de saúde (art. 421 do Código Civil) que é garantir a dignidade da pessoa idosa, mantendo a sua saúde nas idades mais avançadas da vida humana.

Diante do exposto, mostra-se absolutamente necessário o reconhecimento da nulidade da cláusula contratual que permite as operadoras de saúde o reajuste das mensalidades de seus beneficiários, pelo critério etário, em faixa anteriores e bem próximas aos 60 anos, em índices abusivos, nos termos do artigo 15, §3º, do Estatuto do Idoso, artigo 166, VI do Código Civil, bem como dos incisos IV e X do artigo 51 do Código Civil.

Por outro lado, há quem entenda que, se for o caso de se reconhecer devido o reajuste da mensalidade, pelo critério etário, nas faixas anteriores e bem próximas aos 60 anos, deve o Poder Judiciário fixar índice justo a ser aplicado pela operadora de saúde, ceifando a desproporcionalidade e a desvantagem exagerada do consumidor, trazendo de volta o equilíbrio contratual entre as partes.

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