Especialista afirma que, como país não tem lei específica sobre o tema, é preciso analisar casos individualmente  

Quando decidiram ter um filho, no final de 2017, Bruna Guimarães, de 30 anos, e Mauro Souza, 28, não esperavam dificuldades para engravidar. Após um ano e meio de tentativas, no entanto, descobriram que a baixa produção de espermatozoides dele dificultava o processo. Aconselhado por um médico especialista, o casal, residente em Mesquita (RJ), recorreu à fertilização in vitro (FIV) — processo em que a fecundação é feita em laboratório e o embrião resultante é inserido na mulher para ser gestado ou congelado para uma tentativa futura de gravidez. 
 

Casos como o de Bruna e Mauro vêm se tornando mais frequentes no Brasil. A quantidade de embriões congelados no país mais do que dobrou entre 2013 e 2018, segundo dados do 12º Relatório do Sistema Nacional de Produção de Embriões (SisEmbrio), publicado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Para fazer a FIV, Bruna passou por uma estimulação ovariana e conseguiu produzir 19 óvulos: separou 11 para inseminar e doou os demais. 


— Desses onze, apenas dois ficaram aptos para serem transferidos. Por recomendação médica, congelamos, pois, devido à estimulação, foram encontrados alguns cistos nos meus ovários — diz Bruna. — Os embriões ficaram congelados por um mês e meio antes de serem implantados. O congelamento de embriões costuma ser uma continuação do processo de FIV, que cresceu 18,7% no ano passado. Como a estimulação hormonal por que a mulher passa para produzir os óvulos é penosa e cara, elas em geral optam por congelar os embriões excedentes.  

— Nós colhemos os óvulos e fertilizamos. Fazemos a transferência do embrião, e os que sobram são congelados. Isso evita que a mulher passe pelo processo de estimulação novamente — explica Maria Cecília Erthal, diretora médica da clínica Vida: Centro de Fertilidade. 
 

Pais mais velhos  

Especialistas também atribuem o aumento desses procedimentos a uma espera maior para engravidar, o que acaba fazendo com que os futuros pais e mães percam a idade fisiológica mais propícia.  

— Homens e mulheres vêm tardando a decidir pela gestação, pois primeiro procuram criar condições financeiras melhores e encontrar uma pessoa com a qual queiram ter filhos — explica Maria do Carmo Borges, presidente da Rede Latino-Americana de Reprodução Assistida.  

Apesar do crescimento dos casos de FIV e de congelamento embrionário, o Brasil não tem lei específica sobre o tema. As clínicas de fertilização são regidas por uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM), cuja última atualização foi em setembro de 2017, e pela lei de biossegurança, de 2005, que se atém à parte científica da questão.  

De acordo com as regras do CFM, no momento em que os pais optam pela FIV, ambos precisam assinar termos de compromisso, definindo quem fica com a guarda do embrião em caso de divórcio, doença grave ou morte de um dos dois (ou de ambos). Não há tempo limite para os embriões permanecerem congelados, e os pais também optam sobre o que fazer com eles caso não sejam utilizados: doar para outras famílias, descartar ou doar para pesquisas. 
 

Na Justiça  

O advogado Ricardo Calderón, membro do Instituto Brasileiro de Direito da Família, afirma que o aumento das reproduções assistidas e do número de embriões congelados foi acompanhado por mais litígios judiciais.  

— É uma situação nova para todos, médicos e juristas. Tudo que é novo traz dúvidas. O aumento do número de pessoas utilizando os métodos faz com que aumente o número de impasses. E, no Brasil, a ausência de uma legislação específica sobre o tema dificulta para todos porque não temos uma diretriz clara sobre direitos e deveres.  

Calderón afirma que os juízes têm resolvido impasses desse tipo com bases nos direitos constitucionais e de família, e defende a criação de lei específica sobre o assunto. Os médicos da área, no entanto, afirmam que o tema está bem coberto pela regulamentação do CFM.  

— Existem vários projetos de lei em tramitação, mas entendemos que o tema está sendo bem tratado segundo a resolução ética do CFM — avalia Adelino Amaral, membro da Câmara Técnica de Reprodução Assistida do conselho e diretor da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida. — A resolução é reformulada a cada dois anos. Uma lei pode engessar o avanço tecnológico. 
 

O psiquiatra Claudio Cohen, professor de bioética na Faculdade de Medicina da USP, afirma que uma lei sobre o tema seria inócua e não resolveria uma série de questões éticas e práticas. — Temos mais perguntas do que respostas sobre o tema, e a tendência é haver cada vez mais congelamento de embriões. Teremos que analisar caso a caso. É um ser vivo ou morto que está congelado? Depende do ponto de vista — diz Cohen. — A lei não dá um status social ao embrião. Quando você passa a ser um ser vivo? Sêmen e óvulos são células vivas.  

As regras da criopreservação  

O que pode ser congelado para fins de reprodução assistida?  

As clínicas podem criopreservar —termo técnico para o congelamento — espermatozoides, óvulos, embriões e fragmentos de ovários e testículos.  

Como se decide a guarda de um embrião congelado?  

No momento da criopreservação, os pacientes devem expressar sua vontade, por escrito, quanto ao destino que será dado aos embriões congelados em caso de divórcio, doenças graves ou morte de um deles ou de ambos, e quando desejam doá-los.  

É permitido criar um embrião com gameta de um morto(a)?  

Sim. Não constitui ilícito ético a reprodução assistida post mortem, desde que haja autorização prévia específica do(a) falecido(a) para o uso do material biológico criopreservado, de acordo com a legislação vigente. 
 

O que se faz com embriões não utilizados para fecundação?  

Os pais podem decidir doá-los para outras famílias, mas a doação não pode ter caráter lucrativo, e os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa; caso os embriões apresentem anomalias genéticas graves, podem ser doados para pesquisa; se forem congelados, após período mínimo de três anos, poderão ser descartados. Fonte: Resolução 2.168/2017 do Conselho Federal de Medicina 

 Fonte: O Globo
 
Opinião, por Fabíola Cunha, advogada da Areal Pires Advogados. 

Hodiernamente, a população brasileira tem decidido ter filhos biológicos mais tarde, e como consequência, o número de congelamento de embriões tem aumentado.  

Mesmo com o crescimento de Fertilização in vitro e congelamento embrionário, o Brasil ainda não possui uma lei específica sobre o tema. O que existe é uma resolução do Conselho Federal de Medicina e a lei de biossegurança, que regulam as clínicas de fertilização. 

Para juristas, a falta de uma lei específica traz reflexos negativos para resolver os litígios acerca do tema. Já para a maioria dos médicos que atuam na área, o tema está bem regulamentado pela resolução do CFM e pela lei de biossegurança, afirmando que uma lei poderia engessar os avanços científicos. 

O debate sobre esse tema ainda está no começo, e ficar atento aos anseios sociais é o melhor caminho para regulamentar um assunto tão importante que reflete na vida humana. 

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