A economia brasileira corre o risco de mergulhar em um período de 3 anos seguidos de contração, fato inédito desde 1901. São cada vez mais crescentes a inflação e o desemprego, o que acaba por comprometer o poder de compra dos consumidores.
A crise econômica pela qual passa o nosso país implica não apenas na redução de investimentos, mas também no comprometimento dos negócios em curso.
O mercado imobiliário, por óbvio, não fica alheio a esse cenário. Além da retração de diversos tipos de negócios imobiliários, têm sido cada vez mais frequentes as desistências da compra e venda de imóvel na planta- só no ano de 2015 foram pelo menos 50 mil -muito embora os compradores, quando se submetem a um financiamento para essa finalidade, não tenham a intenção de descumprir o negócio.
Com efeito, a conjuntura econômica atual leva a que muitas pessoas percam a condição de arcar com os pagamentos mensais e é nesse momento que se inicia uma verdadeira “dor de cabeça”. Ao procurarem as incorporadoras para proceder com o distrato, muitos adquirentes encontram dificuldades.
Acontece que atualmente o número de desistências é tão grande que as incorporadoras já não querem mais proceder com o distrato de forma amigável. De uma maneira geral, o adquirente é geralmente induzido a 3 caminhos distintos:
(1) a incorporadora procede com o distrato mediante devolução de 40 a 60% dos valores já pagos, sob alegação de terem custos promocionais, administrativos e outros que ultrapassam o entendimento sumulado e jurisprudencial de nosso Judiciário;
(2) a incorporadora alega só ser possível desvincular o adquirente mediante o repasse da unidade a terceiro, que possa substituir o adquirente na relação firmada, por meio de uma cessão de direitos e obrigações. Assim, o que ocorre é uma substituição pela qual o promitente comprador/cliente se desobriga por completo do contrato firmado e um terceiro vai assumir as obrigações em seu lugar; ou
(3) a incorporadora se recusa a distratar o negócio, sob a alegação de que o contrato firmado continha cláusula de irretratabilidade/irrevogabilidade, não sendo possível o seu distrato ou rescisão. Nesse caso, fatalmente o adquirente se tornará inadimplente, o que, por sua vez, poderá gerar a rescisão daquela compra por sua culpa, permitindo que o incorporador retenha a totalidade dos valores pagos ou simplesmente efetue a devolução de valores que bem entender, deixando assim o adquirente em situação mais frágil ainda.
Desamparados, muitos adquirentes buscam o Judiciário e não é à toa que desde o segundo semestre de 2014, a desistência da compra do imóvel na planta passou a ser a principal causa dos processos em face dos mais diversos incorporadores e construtoras do mercado.
De maneira resumida, as condutas descritas acima se revelam abusivas e desrespeitam dispositivos do Código de Defesa do Consumidor. E nesse ponto é muito importante destacar que a relação aqui descrita, que se estabelece entre a Incorporadora/vendedora e comprador, é regida pelo Código de Defesa do Consumidor.
Sendo assim, o comprador é consumidor nesse tipo de operação. Isso posto, a ele é conferida uma maior proteção legal do que numa compra e venda feita entre particulares, relação esta paritária.
Nesse sentido, é entendimento do Superior Tribunal de Justiça (Súmula 543) que “Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador – integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento”.
De fato, se a incorporadora não deu causa ao distrato, é cabível a retenção de valores já pagos. No entanto, os tribunais em nível nacional vêm entendendo que a retenção deve ser entre 10% a 25%, a depender do caso. Qualquer percentual acima de 25% se revela abusivo ao consumidor. Cabe ressaltar, que ainda dentro destes parâmetros, são majoritárias as decisões que adotam como cabível a retenção de 10% (dez por cento) dos valores já pagos.
Com relação à cessão de direitos, esse instrumento é válido, porém não pode ser imposto como única forma do consumidor se desobrigar do contrato.
Já quanto à existência, no contrato, de cláusula de irretratabilidade/irrevogabilidade, reconhece-se que possa impressionar o comprador, que acaba por acatar a alegação de que o negócio não pode ser desfeito. No entanto, tal cláusula se revela abusiva, sobretudo num contrato regido pelo CDC.
Ora, ninguém está obrigado a permanecer, por força contratual, numa situação que se torna manifestamente desvantajosa ou que não atenda mais aos seus interesses. À outra parte da relação contratual é devido, na justa proporção, receber uma indenização pelo descumprimento do contrato.
A matemática nessas operações nem sempre é tão simples. Outras questões também trazem discussões, tais como cobrança de taxa de corretagem ou taxas de decoração de condomínio.
Cabe lembrar que, com o intuito de não só reduzir o número de demandas que chegam ao Judiciário, mas também de deixar transparente ao consumidor o limite de seus direitos e deveres no caso de proceder com um distrato, alguns termos de conduta foram celebrados nos últimos anos, envolvendo incorporadoras, entidades de proteção ao consumidor e o próprio Poder Judiciário. Ocorre que, na prática, nem sempre foram estritamente aplicados.
O mais recente desses acordos foi firmado na última quarta-feira, 27/04/2016, no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro entre representantes do Governo Federal, do setor imobiliário, dos Procons e do próprio Poder Judiciário. Dentre outras questões, foi estabelecido que as incorporadoras poderão reter 20% dos valores pagos, bem como o montante dado de sinal. Vejamos como isso será de fato aplicado nos Tribunais, até porque estes são termos de conduta, os quais foram firmados sem a parte frágil da relação, isto é, o adquirente / consumidor.

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