Quando o assunto em saúde é sobre doença/lesão preexistente, congênita ou assintomática, torna-se necessário entrar em uma discussão que permeia tanto a medicina quanto o direito.

Nesse sentido, vale inicialmente conceituar esses dois termos na área médica.

Segundo a Enciclopédia Livre Wikipedia (pt.wikipedia.org), “doenças congênitas são aquelas adquiridas antes do nascimento ou até mesmo depois do mesmo, no primeiro mês de vida, seja qual for a sua causa. Dentre essas doenças, aquelas caracterizadas por deformações estruturais são denominadas anormalidades. Essas doenças, caso não sejam visíveis, podem ser descobertas através do “teste do pézinho” no qual é recolhida uma gota de sangue do calcanhar do bebê (normalmente entre o quarto e o
sétimo dia de vida). São exemplos de doenças congênitas: fenilcetonúria, tirosinemia e homocistinúria. Por ex: Uma grávida que apanhe rubéola transmite malformações ao feto, mas não de forma hereditária e sim congênita. Nota: Quase toda a doença hereditária é congênita (mas pode não se manifestar à nascença), no entanto, nem todas as doenças congênitas são hereditárias.”

Doenças assintomáticas, como o próprio nome já diz, são aquelas que, congênitas ou não, podem existir no organismo de uma pessoa sem manifestar qualquer sintoma, evitando que a pessoa saiba ser dela portadora.

Já o termo “doença/lesão preexistente” não tem qualquer sentido médico e foi criado exclusivamente para regular o atendimento dos planos e seguros saúde a seus clientes. Como bem referiu-se o Dr. Edson de Oliveira Andrade, relator do Parecer n. 16/97, do Conselho Federal de Medicina, aprovado em 07 de maio de 1997, que teve início em razão de indagações formuladas pelo IDEC – Instituto de Defesa do Consumidor, “o conceito de doença pré-existente, quando aplicado às relações contratuais, como as dos planos e seguros de saúde, apresenta caráter relativo e sem valor médico, não podendo ser utilizado como mecanismo limitador ao atendimento médico.”

Feitas essas breves considerações médicas sobre o assunto, passemos ao estudo do caso quando envolvido em questões jurídicas.

Como a Medicina somente considera e conceitua a doença/lesão congênita e as doenças/lesões assintomáticas, e a Lei 9.656/98 dispõe sobre “doenças e lesões preexistentes”, coube aos operadores do Direito, com o objetivo de regular os contratos que regem as relações entre operadoras de saúde e os
consumidores, conceituarem o termo “doença/lesão preexistente”. Nesse sentido, temos que doença/lesão preexistente é aquela que o consumidor declara ser portador no momento da celebração do contrato com a operadora de saúde.

O art. 11 da Lei 9.656/98 regula a matéria, senão veja-se:

“Art. 11. É vedada a exclusão de cobertura às doenças e lesões preexistentes à data de contratação dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei após vinte e quatro meses de vigência do aludido instrumento contratual, cabendo à respectiva operadora o ônus da prova e da demonstração do conhecimento prévio do consumidor ou beneficiário.”

Da análise do artigo acima mencionado, pode-se concluir que, para o Direito, não existe diferença entre doenças/lesões preexistentes, congênitas ou assintomáticas, não obstante os contratos de adesão elaborados pelas operadoras de saúde disporem em suas cláusulas diferenças entre doença/lesão preexistente e congênita e, muitas vezes, não mencionem sobre a especificidade de uma doença assintomática. Para o Direito, existe apenas a preocupação com a doença/lesão preexistente, nos termos da definição acima mencionada, que pode ser ou não congênita ou assintomática, assim considerada pelos médicos.

Portanto, à operadora de saúde, é vedada a exclusão de cobertura se, no momento da celebração do contrato, o consumidor não declarou ser portador de doença, seja ela congênita ou não. Caso o consumidor declare ser portador de alguma doença/lesão, é lícito à operadora de saúde considerá-la preexistente e exigir dele um prazo de carência de 24 meses para cobertura, lembrando que é da operadora de saúde o ônus de provar eventual fraude do consumidor, que sabia ser portador de doença e assim não declarou.

No entanto, o que se verifica na prática, é que as operadoras de saúde criaram, com objetivo de burlar a lei e em total afronta ao Código de Proteção e Defesa do Consumidor, uma diferença, disposta em contrato, para doença/lesão preexistente e doença/lesão congênita: entendem que, se o portador de doença congênita não nascer dentro da cobertura do plano, deverá entrar na regra geral de doença/lesão preexistente, ou seja, deverá respeitar o prazo de carência de 24 meses para início de cobertura. Entendem portanto, que, a pessoa que nasce com doença congênita, somente terá garantida a cobertura do tratamento da referida doença pela operadora de saúde, sem prazo de carência, se seu parto fora coberto pelo referido plano ou seguro de saúde, e mesmo assim, teria assistência garantida somente nos primeiros 30 dias de vida, dentro da cobertura do plano do titular do plano. A única “benesse” que as operadoras de saúde oferecem nesses casos é que, se nesse período, a criança for inscrita num plano ou seguro de saúde da mesma operadora, não precisará cumprir carência alguma.

Não obstante o Direito, acertadamente, não distinguir doença/lesão preexistente, de congênitas e/ou assintomáticas, é importante lembrar que a doença congênita, em termos médicos, pode ser assintomática durante toda a vida do paciente, vindo ele a descobrir ser dela portador somente após a celebração do contrato com a operadora de saúde. Essa especificidade no assunto é importante porque, se a operadora de saúde provar o conhecimento prévio do consumidor acerca da portabilidade de qualquer doença (lembrando que esse ônus, com conforme disposto no art. 11 acima mencionado, é da operadora de saúde), a cobertura para seu tratamento pode ser excluída e, até mesmo, ser rescindido o contrato com o consumidor. Isso é direito da operadora de saúde. No entanto, se não provar o conhecimento prévio do consumidor, seja por ser caso de doença assintomática (congênita ou não), seja porque ele efetivamente não sabia ser portador de doença, estaremos diante de uma prova impossível de ser produzida. Nesses casos, a operadora deverá, obrigatoriamente, cobrir o tratamento da doença sem as restrições impostas nos casos de doença preexistente.

Portanto, para o Direito, o que importa é que as operadoras de saúde não podem negar cobertura a tratamento de doença sob o fundamento de ser preexistente se, no momento da celebração do contrato, o consumidor não declarou conhecimento de que era dela portador e a empresa não realizou exames que pudessem comprovar a portabilidade dessa doença.

Vejamos o entendimento dos Tribunais Brasileiros sobre o tema ora tratado:

“PLANO DE SAÚDE. Aneurisma cerebral em paciente com mais de quarenta anos de idade. Exclusão de cobertura para doença congênita. Descabimento. Não tem aplicação a cláusula de exclusão para males ainda não manifestados e por isso desconhecidos no momento da contratação, menos ainda com base em simples predisposição orgânica. Responsabilidade da operadora pelas despesas do tratamento. (…)”

(TJSP – 7ª Câmara “A” de Direito Privado – Apelação Cível n. 199.157-4/9-00, Rel. Des. Edson Ferreira da Silva, j. 08 de março de 2006)

“AÇÃO DE COBRANÇA – Seguro-saúde – Contrato que contém cláusula prevendo,expressamente, a exclusão de cobertura de doença congênita – Não comprovação, pela prova pericial, de o autor se portador de má-formação congênita – Limite muito tênue entre a doença congênita e doença adquirida – Não indicação de hospital credenciado em condições de realizar o tratamento ao qual foi submetido o autor – Interpretação do contrato, em favor do consumidor – Responsabilidade da seguradora pelos riscos assumidos na apólice – Ação julgada procedente – Recurso não provido.”

(TJSP – 8a Câmara de Direito Privado – Apelação Cível n. 118.118-4 – Rel. Des. Zélia Maria Antunes Alves – j. 03 de dezembro de 2001)

“Seguro saúde. Não submissão do segurado a exame. Exclusão de proteção.

Inadmissibilidade. “A empresa que explora plano-saúde e recebe contribuições de associado sem submetê-lo a exame, não pode excusar-se ao pagamento da sua contraprestação, alegando omissão nas informações do segurado.”

(STJ – 4.ª Turma – REsp 229078-SP – Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, – j. 9.11.1999, DJU 7.2.2000)

Portanto, podemos concluir que a publicação da Lei 9.656/98 foi de extrema importância para os consumidores nesse assunto, pois, antes de sua vigência, qualquer doença poderia ser, a qualquer tempo, considerada preexistente ou congênita. A operadora de saúde poderia negar o procedimento adequado, sem fornecer maiores explicações. Após sua publicação, conforme acima mencionado, as operadoras passaram a não mais poder deixar de tratar doenças preexistentes, sejam elas congênitas, assintomáticas ou não, devendo o consumidor, no momento da celebração do contrato, declarar ser ou não portador de alguma doença e a empresa realizar exames para comprovar tal afirmação.

*Por Melissa Areal Pires, Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, pós-graduada em Direito do Consumidor pela Universidade Estácio de Sá em convênio com a Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro.

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